A síndrome de despersonalização como consequência da hospitalização
A psicologia hospitalar tem construído uma história ao longo dos anos compreendendo o sujeito como um ser biopsicossocial, concentrando-se em torno dos aspectos relacionados ao adoecimento e a hospitalização. Ao contrário do paciente do consultório, que mantém sua autonomia, o sujeito acamado, torna-se um objeto de prática médico-hospitalar, tendo, por muitas vezes, que suspender sua individualidade. Reconhecendo a interferência do processo de hospitalização na vida do sujeito, a intensidade do impacto emocional pode ocasionar diversas reações como ansiedade, depressão e desesperança. Esses sentimentos podem contribuir para o desenvolvimento da síndrome de despersonalização que inclui a desafetualização e a sensação de estranhamento em relação a si mesmo. Por ser um fenômeno intrigante, mas pouco investigado, foi realizada uma pesquisa de caráter quanti-qualitativa e experimental, com dez pacientes de ambos os sexos internados a mais de sete dias em um hospital geral de Goiânia, com o objetivo de identificar possíveis manifestações de despersonalização. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com registro em formulários e aplicados o Z-Teste-técnica de Zulliger, os inventários da Escala de Desesperança de Beck e a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão. Observou-se que 60% da amostra dos resultados apresentou eventuais sintomas de ansiedade e depressão, sendo constatados escores de desesperança, ansiedade e depressão em 50% dos casos. Foram apresentados dois casos para uma apuração mais detalhada, por apresentarem sintomas significativos em relação à despersonalização reagindo de forma significativa ao Z-teste Técnica de Zulliger. Observou-se que em ambos, os sintomas da síndrome de despersonalização salientam possíveis características de alterações de pensamentos e percepções, indicativas de falha no contato com a realidade. Quanto aos resultados gerais do Z-Teste, nota-se que o escore do lambda, que se refere ao foco de atenção/percepção aos estímulos e o quanto o indivíduo se mostrou no teste, foi elevado em sua maioria, o que remete à hipótese da mobilização causada pela dinâmica hospitalar. Sobre o histórico vivencial de sofrimento anterior à hospitalização, pode-se refletir sobre a hipótese de que a história do sujeito somada à falta de recursos para lidar com o sofrimento vivenciado, bem como a demanda ocasionada pela hospitalização, possam torná-lo mais vulnerável ao desencadeamento da despersonalização. Vale ressaltar que durante a realização do trabalho pode-se observar uma escassez de literatura publicada (principalmente em português) sobre a síndrome de despersonalização, sendo muitas vezes o termo usado de forma genérica, considerando a ocorrência do fenômeno como um todo. Diante disso, é imprescindível o esclarecimento dos mecanismos gerados a partir de prejuízos funcionais, sociais e ocupacionais nos pacientes com características do transtorno de despersonalização, levando a um maior entendimento sobre o sujeito e possivelmente ao desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas. Considerando a singularidade de cada paciente e a relevância do estudo, observar possíveis sintomas da síndrome de despersonalização no ambiente hospitalar pode possibilitar ao psicólogo mais esclarecimentos acerca da despersonalização, bem como o desenvolvimento de novas estratégias de enfrentamento, possibilitando uma atuação mais holística e assertiva. Portanto propõe-se a realização de novas pesquisas, com maior população, diante à demanda de internações hospitalares no Brasil.
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Fernanda Romano Soares, Anna Flávia Trindade Freiras, Quezia Kellen Xavier