História de vida e características pessoais de crianças obesas
Introdução: a infância é considerada uma etapa fundamental do ciclo vital, já que exerce influência em todas as experiências subsequentes. É entendida como um período vulnerável e crítico na constituição das bases psicológicas necessárias aos desenvolvimentos intelectual, emocional e físico. Por sua vez, a obesidade é considerada uma doença multifatorial caracterizada pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo no organismo. Surge associada a várias complicações de ordem física (hipertensão, diabetes tipo II), social (estigmatização) e psicológica (isolamento, introversão), podendo afetar o desenvolvimento infantil como um todo. Bronfenbrenner propôs o Modelo Bioecológico para estudar, de maneira sistêmica, o desenvolvimento humano. Esse modelo abarca desde os sistemas fisiológicos e psicológicos, de comportamento individual e de interações entre pessoas, até as relações entre grupos e sociedades. Nessa perspectiva, a obesidade na infância não é entendida como possuindo uma causalidade unidirecional, mas associada a múltiplas e recíprocas causas. As características pessoais da criança, a relação com seus cuidadores, os eventos que ocorrem no curso do desenvolvimento são considerados elementos importantes para a compreensão da doença e dos fatores que auxiliam sua manutenção. Objetivo: analisar, através dos núcleos Pessoa e Tempo do Modelo Bioecológico, as características pessoais e a história de vida de crianças obesas e de suas famílias, que se interrelacionam na gênese e na manutenção da doença. Metodologia: estudo de casos múltiplos que incluiu duas crianças, de ambos os sexos e duas mães, pertencentes à camada social menos favorecida financeiramente e atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os instrumentos utilizados na pesquisa foram ficha de coleta de dados a partir de consulta aos prontuários clínicos, a entrevista semiestruturada e o Desenho da Figura Humana (DHF). Resultados: a análise dos Desenhos da Figura Humana das crianças demonstrou a presença de sinais emocionais como introspecção, retraimento, dificuldade de relacionamento e confiança nos contatos sociais, insegurança, falha no controle dos impulsos, imaturidade e agressividade. Esses sinais apoiam o que as crianças e suas mães descreveram sobre si mesmas e sobre seus comportamentos em situações familiares e sociais, auxiliando na confirmação de algumas características pessoais das crianças deste estudo. As histórias das relações familiares dos participantes são permeadas por dificuldades relacionais e segredos que engendram o sistema familiar. Observa-se nos relatos das mães que essas dificuldades se estendem para os modos de vinculação e educação das crianças. Considerações finais: o caráter qualitativo deste estudo, alicerçado na perspectiva Sistêmica e na Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano, viabilizou a análise das características das crianças e de suas histórias familiares na gênese e manutenção da obesidade. Os resultados demonstraram que a obesidade na infância pode ocasionar efeitos sobre a saúde física e psicológica das crianças afetando seu desenvolvimento e constituição psíquica.
Palavras-chave: Infância, família, obesidade infantil, teoria bioecológica do desenvolvimento humano
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1. Cuidados em Saúde nos Ciclos da Vida - 1.1 Atenção Integral à Criança e ao Adolescente no Contexto de Saúde e Doença
Priscilla Machado Moraes, Gabriela Menezes Finco, Leopoldo Nelson Fernandes Barbosa