Avaliação do funcionamento psicodinâmico de mulheres submetidas a cirurgia bariátrica em um hospital geral há mais de um ano
A obesidade é caracterizada pelo excesso de tecido adiposo devido à ingestão de calorias superior ao gasto energético do organismo. O aumento do número de indivíduos obesos e das patologias, tanto físicas como psíquicas, associadas à obesidade fazem com que o tema seja considerado um dos maiores problemas de saúde pública na atualidade, que traz altos custos públicos e requer atenção muldisciplinar. A cirurgia bariátrica é apontada como uma das possíveis estratégias de controle da obesidade. Ao provocar intensas mudanças na estrutura física e na rotina das pessoas, a cirurgia bariátrica pode interferir no modo como os indivíduos submetidos a ela organizam seu funcionamento psíquico, na qualidade de vida e na autoestima. Dessa forma, além da avaliação psicológica pré-operatória, torna-se necessário o acompanhamento desses pacientes durante o período pós-cirúrgico. Esse estudo objetivou investigar o funcionamento psicodinâmico de seis mulheres, entre 25 e 51 anos que realizaram cirurgia bariátrica há pelo menos um ano, em um hospital-escola do Estado de Minas Gerais. Foram utilizados como instrumentos um roteiro de entrevista semiestruturada e o teste projetivo House-Tree-Person (HTP). Trata-se de um estudo descritivo e transversal, fundamentado no referencial psicanalítico winnicottiana. Todas as participantes relataram perda de peso conforme o desejado, bem como melhora na autoestima e nos relacionamentos interpessoais. Entretanto, a partir da análise dos instrumentos projetivos, a melhora relatada parece não ser experenciada emocionalmente. Elas demonstraram atenção a aspectos concretos, com dificuldades de abstrações, focando, por exemplo, na própria imagem corporal e não na percepção das reais necessidades afetivas, o que dificulta a construção do verdadeiro self. Diferente do que foi verbalizado, no instrumento projetivo, elas evidenciaram insatisfação em relação à imagem corporal, o que pode ser reflexo da insatisfação diante das necessidades afetivas. Todas relataram que ocorreram mudanças significativas na forma de se relacionar com o outro após o emagrecimento. A sensação da redução de dificuldades como cansaço, dor nos joelhos e pressão alta foi relatado por três participantes como motivador para sair de casa e encontrar outras pessoas. Todavia, os resultados do HTP que avaliaram a capacidade do indivíduo para atuar em relacionamentos e para submeter o self às relações interpessoais indicaram retraimento, inadequação física, medo, compensação, grande necessidade de realização, desajustamento, tensão, ansiedade e inadequação. A partir dos dados analisados, foi observado que existe intensa preocupação em agradar o outro com sua própria aparência, em relacionamentos marcados pelo desconhecimento de si e do outro. Quando acreditavam que isso não era possível, elas se afastavam. Os dados indicaram que, apesar das participantes relatarem uma melhor avaliação da própria imagem, parece que essa avaliação não estava sendo emocionalmente experenciada. Diferente do informado ao longo das entrevistas, os dados obtidos pelo HTP apontaram que elas continuavam insatisfeitas com aspectos corporais, sem a devida percepção dos conflitos vivenciados e das reais necessidades afetivas. Assim, apesar das melhoras referidas, demonstraram vivenciar dificuldades na elaboração de angústias associadas à percepção da autoimagem, que podem contribuir com o surgimento de novos sintomas relacionados, inclusive, ao comportamento alimentar, como o desenvolvimento de transtornos alimentares.
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1. Cuidados em Saúde nos Ciclos da Vida - 1.4 Saúde do Homem e da Mulher
Universidade de São Paulo - Santa Catarina - Brasil, Universidade Federal do Triângulo Mineiro - Minas Gerais - Brasil
Isabel Martino Prata, Lilian Regiane de Souza Costa-Dalpino, NIchollas Martins Areco