A participação da psicologia na visita interdisciplinar: desafios para o trabalho em equipe
Este relato de experiência, que se integra aos estudos sobre interdisciplinaridade no contexto hospitalar, se propõe a construir um exercício reflexivo sobre a participação da psicologia nas visitas interdisciplinares de uma enfermaria de cardiologia em um hospital universitário de Salvador-Bahia. De acordo com Figueiredo (2005) e Elias (2006) no campo da saúde reconhece-se, cada vez mais, a equipe enquanto um recurso capaz de dar suporte a ações clínicas inovadoras. Todavia, a formação da equipe não se dá de modo automático, faz-se mister construir esse trabalho, o que demanda um exercício permanente de discussão, avaliação das condutas e partilhamento das responsabilidades frente aos pacientes e famílias, significando o agir em saúde e o fazer clínico como um trabalho vivo em ato. O conceito de transferência de trabalho, cunhado por Lacan (2003), que diz respeito ao trabalho com responsabilidade partilhada (e não transferida para o outro), fazendo circular o saber que advém do sujeito e não do profissional, é o pressuposto teórico-epistemológico que norteia a discussão proposta. A estratégia metodológica utilizada neste relato foi a etnografia, sendo alimentado um diário de campo sobre as visitas e suas repercussões no cuidado, entre os anos de 2016 e 2017. Criada em dezembro de 2015, a visita interdisciplinar na enfermaria surgiu a partir da necessidade da equipe de promover mudanças nos modos de cuidar e gerir o cuidado, orientando o seu saber-fazer para a lógica sujeito-centrada. Participam da visita: psicóloga, médicos cardiologistas, assistente social, farmacêutica, enfermeiras, nutricionista, residentes multiprofissionais e médicos, estudantes de psicologia, farmácia e medicina. A visita ocorre semanalmente e nesse espaço são discutidos os casos. Entretanto, no cotidiano das visitas interdisciplinares uma questão é permanente para a psicologia: O que se deve partilhar mantendo o compromisso ético com o sujeito? As experiências das visitas trazem como resultados um horizonte de respostas para esta indagação. Partilha-se os elementos fornecidos pelo sujeito que funcionam como pistas para o seu plano de cuidado. O objetivo é fazer o sujeito aparecer. Este é um convite sutil para que a equipe possa pensar o caso a partir dos elementos trazidos pelo sujeito e não da convergência de saberes múltiplos dos profissionais que terminam por produzir um saber sobre ele. Mas, este convite não se dá sem tensões, uma vez que sua matriz é contra hegemônica no contexto do hospital, cujos saberes e práticas estão orientados pelo paradigma biomédico, que tem como objeto um corpo sem sujeito, um organismo. Com a participação nas visitas interdisciplinares foi possível identificar o impacto das trocas e discussões promovidas nesse espaço no cuidado ofertado, uma vez que todo o plano terapêutico é compartilhado, estruturado a partir das situações singulares que cada caso convocava. Estes achados da experiência permitem considerar que a participação na visita, faz com que nos defrontemos com um campo comum que é a clínica, uma clínica que se tece a partir dos endereçamentos do sujeito para nós e dos efeitos das nossas intervenções. Assim cada um da equipe pode se tornar um parceiro da clínica, a clínica do sujeito.
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2. Universalidade, Equidade e Integralidade em Saúde - 2.2 Interdisciplinaridade na Formação e Atuação Profissional
Rosana dos Santos Silva, Elder Vargão Borges, Caroline da Luz Rodrigues de Souza Vieira