Post póstumo:a expressão do luto de adolescentes no Facebook
O luto é um processo complexo e multidimensional, que sofre influência de variáveis históricas, sociais e culturais, traduzindo o modo de ser e existir de um indivíduo localizado no seu tempo. Assim, na era digital, a morte física não significa a morte virtual, pois o mundo da internet possibilita que os mortos permaneçam acessíveis numa espécie de vida paralela acessível aos vivos. Da mesma forma, a vivência do luto também parece ser influenciada por esta nova vivência da morte, permeada pelas relações que se estabelecem na virtualidade que tornam o mundo digital um palco onde também se legitimam expressões de luto, de dor e de saudade. A este fenômeno relativamente novo tem-se nominado ciberluto ou luto compartilhado (BOUSSO et al., 2014), prática que vem se tornando cada vez mais comum e reconhecida nas redes sociais. Para discuti-la, este trabalho analisa as manifestações de luto postadas no Facebook de uma adolescente falecida por suicídio, problematizando outros pontos relevantes de discussão na contemporaneidade que são as relações virtuais e a sua importância na formação da subjetividade contemporânea. Para tanto, foram consideradas as 213 postagens na referida página da rede social no dia do suicídio, somadas às 122 do dia seguinte, focalizando especial atenção àqueles internautas que permaneceram postando com regularidade na timeline da vítima até a data desse trabalho, aproximadamente nove meses depois da morte. Assim, para a presente análise foram considerados os posts de sete adolescentes do sexo feminino que se expressaram com frequência regular na timeline da vítima, aqui identificadas por pseudônimos. A partir da análise das postagens, foi possível observar que o processo de luto compartilhado nas páginas do Facebook, assim como no luto tradicional, manifesta-se por fases e sentimentos que podem ser identificados nos depoimentos: 1. Negação e entorpecimento; 2. Anseio e busca da figura perdida; 3. Desorganização e desespero e 4. Reorganização e restituição.O processo permeado pelo desligamento gradual vai permitindo ao enlutado o investimento em novos objetos à medida em que a reorganização psíquica diminui a raiva, a dor e a indignação. Pondere-se, porém, que embora as fases do luto compartilhado na internet pareçam ser semelhantes à\ do luto tradicional, deve-se considerar peculiaridades na sua forma e intensidade pela utilização do potencial de comunicação das ferramentas virtuais para a sua expressão (FAGUNDES, 2012; RECUERO, 2016). No caso aqui discutido, conclui-se que ao mesmo tempo em que os posts póstumos deram visibilidade ao suicídio da amiga e à dor vivenciada pelas adolescentes, também pode ter estimulado o compartilhamento virtual entre “semelhantes”, que compreendem as suas dores e são capazes de se confortarem pela mutualidade da experiência e compreensão empática (ROSADO; TOMÉ, 2015). Nesse sentido, não se pode julgar o recurso da rede social como estratégia favorável ou desfavorável no enfrentamento da dor da perda, mas sim o seu potencial enquanto ferramenta que favorece a livre expressão dos sentimentos e a identificação dos adolescentes em torno dela o que, ironicamente, também contribui para diminuir um pouco a solidão e o vazio deixado pela morte.
BOUSSO, R. S. et al . Uma nova forma de luto: os efeitos da revolução tecnológica. Com Ciência: Campinas, n. 163, nov. 2014. Disponível em
FAGUNDES, F. Luto no virtual: verificação da relação entre as fases do luto e a extinção operante a partir da vivência compartilhada em uma rede social virtual. – Palmas, Orientação: Profª. Dra. Ana Beatriz Dupré Silva. Palmas: Centro Universitário Luterano de Palmas, 2012. Disponível em:
RECUERO, R. As redes sociais na Internet e a conversação em rede. Japaratinga: Ciseco, 2012. Disponível em:
ROSADO, L. A. S.; TOME, V. M. N. As redes sociais na internet e suas apropriações por jovens brasileiros e portugueses em idade escolar. Rev. Bras. Estud. Pedagog., Brasília , v. 96, n. 242, p. 11-25, Apr. 2015 . Disponível em:
1. Cuidados em Saúde nos Ciclos da Vida - 1.3 Morte e Processo de Luto
Ciomara Benincá, Maria Eugênia Benincá