Título

De doente a sobrevivente: os papéis e as dificuldades vividas por crianças e adolescentes sobreviventes ao câncer

Resumo

O diagnóstico oncológico na infância e na adolescência afeta o processo de desenvolvimento, atuando como evento que favorece a convivência com fatores e mecanismos de risco de diversas naturezas. Com o término do processo de cuidado curativo, esses efeitos não necessariamente cessam, sendo necessário o acompanhamento psicológico longitudinal a fim de lidar com as transformações trazidas pelo adoecimento e cuidado hospitalar. Neste sentido, o objetivo deste trabalho é identificar as principais necessidades e demandas psicossociais apresentadas por pacientes sobreviventes do câncer infantojuvenil, tendo o arcabouço teórico do Life Design como referencial. Para isso, foi realizada uma observação das principais dificuldades dos pacientes sobreviventes do câncer a partir da experiência de assistência psicológica no ambulatório de Hematologia Infantil do Hospital das Clínicas FMRP-USP. Nota-se que o público que convive com o adoecimento oncológico pediátrico ao finalizar o tratamento ainda demostra necessidade de elaboração do papel de enfermo, se mantendo nele por meses ou mesmo anos após o fim do cuidado. A reinserção em contextos socioculturais familiares ou inéditos a partir de um novo papel requer adaptabilidade da pessoa frente aos novos significados e desafios pertinentes às necessidades de um novo ciclo na trajetória de vida. Todavia, como há cristalização da perspectiva social do papel do enfermo, são produzidas práticas educativas marcadas pela superproteção e pela dificuldade de estabelecer regras e limites, a instalação de fantasias e temores ligados a possibilidade de recidiva, bem como a manutenção de cuidados durante o tratamento, além de ganhos secundários de outras naturezas. Dessa forma, os cuidados oferecidos pelos serviços de Oncologia Pediátrica devem se estender aos sobreviventes enfocando a necessidade de maior elaboração da experiência de cuidado para que consigam estabelecer a transição dos papéis vividos nessas duas etapas distintas de seu desenvolvimento. Por fim, destaca-se a relevância do papel do psicólogo hospitalar, uma vez que pode atuar de modo favorecer a construção da identidade do sobrevivente, ajudando a pessoa a integrar suas novas necessidades, produzindo a articulação saudável dos diversos aspectos de sua trajetória de vida de modo que possa usufruir da sua existência de forma mais saudável e autêntica.