Título

Poder e subjugo no contexto hospitalar: uma crítica às relações de cuidado.

Resumo

O exercício do poder tem várias faces, se apresenta de formas diferentes e produz efeitos que o legitimam. Embora o mesmo seja estudado por vários autores em diferentes contextos, o contorno é o mesmo: a relação de domínio e influência de acordo com determinados interesses. Este trabalho discute uma das formas de poder que se traduz na posse e na retenção de informações pelo profissional de saúde; problematiza o exercício desse poder no subjugo do subordinado. O cenário é o Hospital Ferreira Machado, localizado em Campos dos Goytacazes, RJ. O método utilizado para as análises foi a observação sistemática a partir da utilização dos instrumentos: grupo de acolhimento aos familiares e/ou acompanhantes no período de internação, atendimento ao paciente, orientação à família/acompanhante e reuniões com equipe multiprofissional. Os usuários, na medida em que problematizam e, consequentemente tem acesso às informações, passam a questionar as condutas dos profissionais da saúde causando diversos incômodos, pois esses profissionais se sentem, a partir de então, arguidos sobre suas práticas e rotinas, entre outras situações. Foucault (1979) ressalta que desde a constituição do hospital como local de exercício da tecnologia moderna, a medicina foi e é utilizada como um instrumento de controle social, uma estratégia biopolítica a fim de diminuir tensões e manter o status quo. O cenário do hospital é o lócus da dependência e da fragilidade, onde a impotência e o silêncio causados pelo adoecimento submete o usuário ao poder. Frases como: “esses acompanhantes pensam que podem vir pra cá e dar ordens”, “vem só para dormir”, “querem saber qual o remédio que o paciente está tomando, eu pergunto: por que quer saber, por um acaso você é médico?” revelam o mal estar por parte dos profissionais de saúde. O que sustenta essa relação de domínio e dominado é o medo. Dejours (2006) analisa o sofrimento no trabalho como uma espécie de elo, onde estão aprisionados, dominados e dominantes, os primeiros pela obediência e submissão e os outros pela força da ameaça e o poder do medo. O medo é o eixo que sustenta os dois lados e ordena a cena hospitalar, o que o usuário tem da retaliação ao querer saber e o do profissional da saúde ao ser interrogado de tornar visíveis suas dificuldades (impotência/incompetência). O poder de informação segundo Moscovici (2008) constitui um modo de influenciar os outros através de retenção total ou transmissão parcial de informações às quais os outros não têm acesso. Este poder é especialmente importante nas análises, reflexões e decisões do paciente no presente com repercussão no seu futuro. A falta de informação ou “ignorância” não justifica por si só, a dominação ou subordinação. Devemos considerar as motivações subjetivas para que o usuário se coloque nesse lugar de subordinado, ou seja, o poder pode ser decisivo, mas não imutável. Uma das tarefas do psicólogo hospitalar é explicitar essas modalidades de interação, possibilitar novas reflexões e ações que efetivem o direito do usuário à informação que lhe é devida e quando solicitada.

Referências Bibliográficas

DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. Tradução de Luiz Alberto Monjardim. 7ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006.

FOUCAULT, Michel. O Nascimento do Hospital. In: Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

MOSCOVICI, Fela. Participação no grupo. In: MOSCOVICI, Fela. Desenvolvimento interpessoal: treinamento em grupo. 17ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. Capítulo 10, p. 186-212

SIMONETTI, Alfredo. Psicologia hospitalar e psicanálise: clínica psicanalítica. São Paulo: Casa do psicólogo, 2015.