Mecanismos de defesa de crianças filhas de pais usuários de drogas ilícitas
De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas de 2015, a prevalência do uso de substâncias continua estável em todo o mundo. Estima-se que um total de 246 milhões de pessoas - um pouco mais do que 5% da população mundial com idade entre 15 e 64 anos - tenha feito uso de drogas ilícitas em 2013, sendo que cerca de 27 milhões de pessoas fazem uso problemático.
O consumo de substâncias psicoativas não é apenas um problema de saúde pública, configura-se também como um problema de saúde mental. (Miranda, Simpson, Azevedo & Costa, 2016). Segundo Silva e Vaz (2013) o convívio com pais usuários de drogas é apontado como desencadeador de diversos problemas aos filhos que vivenciam essa realidade. Dentre esses problemas, destacam-se os altos índices de psicopatologias, tais como ansiedade e depressão, além de baixo rendimento escolar e perda da confiança e da capacidade de diálogo entre os pais ou responsáveis usuários com os seus filhos.
Este estudo teve como objetivo analisar o impacto que a convivência com usuários de drogas exerce sobre os mecanismos de defesas de crianças. Utilizou-se o método qualitativo de estudo de casos múltiplos. Participaram três crianças filhas de usuários de drogas que faziam tratamento no ambulatório de psiquiatria infantil de um hospital materno infantil no ano de 2016. A coleta de dados deu-se através da aplicação do Teste CAT-A.
Com o levantamento do Teste CAT-A, pode-se perceber uma estrutura egoica frágil dos participantes, especialmente pelo uso de mecanismos de defesa primitivos, os mais comum foram: idealização, negação, retorno contra si mesmo e distorção. Pensa-se que as experiências de vida em comum, podem ter influência nos aspectos emocionais investigados nessas crianças, que apresentaram defesas muito parecidas nas estórias.
Percebeu-se que foi comum em todos os casos o uso da defesa de idealização. Segundo Petot (1982), Melanie Klein descreve a idealização como uma defesa anterior à evolução genital. Esse mecanismo de defesa caracteriza-se por um esforço do ego em manter separado o objeto bom do mau ocorrendo uma supervalorização do objeto quanto considerado como inteiramente bom. Além de a idealização ser uma defesa mais primitiva, é uma forma de dar um fechamento feliz para as estórias. Bowlby (1984/2009) refere que o ambiente familiar em que a criança é criada influência no complexo de sistemas comportamentais mediadores do apego, e esses sistemas evoluem e se desenvolvem de certo modo relativamente estável.
Estudos desse tipo são importantes devido ao número cada vez maior de usuários de drogas em nosso país. Foram encontradas semelhanças, entre os casos apresentados e essas semelhanças puderam ser relacionadas com as histórias de vida dessas crianças. Entretanto, sabe-se também que os participantes estão inseridos num contexto maior, que envolvem questões que vão muito além do pequeno recorte que essa pesquisa representa. Destaca-se a importância deste estudo para a melhor compreensão dos aspectos do desenvolvimento emocional de crianças filhas de usuários de drogas na realidade brasileira. Observa-se uma carência de estudos, em especial nacionais, que abordem essa temática.
Bowlby, J. (2002). Apego: a natureza do vínculo. São Paulo: Martins Fontes.
Miranda, F. A. N., Simpson, C. A., de Azevedo, D. M., & da Silva Costa, S. (2009). O impacto negativo dos transtornos do uso e abuso do álcool na convivência familiar. Revista Eletrônica de Enfermagem, 8(2).
Petot, J. M. (1982). Melanie Klein: Primeros descubrimientos y primer sistema (1919 1932). Buenos Aires: Paidós.
Silva, J. F. F. (2013). A parentalidade e o consumo de substâncias: um estudo comparativo em pais consumidores de álcool, heroína e cocaína. (Dissertação de mestrado) Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Porto, Portugal.
Tardivo, L. S. P. C. (1992). Teste de Apercepção Infantil com Figuras de Animais (CAT-A) e Teste das Fábulas de Düss: Estudos Normativos e Aplicações no Contexto das Técnicas Projetivas. (Dissertação de Doutorado) Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
World Health Organization. United Nations Office on Drugs and Crime. World drug report (2015) New York: United Nations Office on Drugs and Crime.
1. Cuidados em Saúde nos Ciclos da Vida - 1.2 Saúde Mental do Paciente, Família e Equipe
HMIPV - Rio Grande do Sul - Brasil, UFCSPA - Rio Grande do Sul - Brasil
Tatiane Trivilin, Adriana Jung Serafini