Desafios do processo decisório de cuidados paliativos em onco-hematologia.
O câncer é uma doença permeada de significados que afeta a vida do enfermo em todas as suas dimensões. Dada sua gravidade e complexidade do tratamento, as medidas terapêuticas adotadas podem ser insuficientes para alcançar a remissão da patologia, sendo muitas vezes o único recurso assistencial possível a adoção de cuidados paliativos. Por cuidados paliativos compreende-se uma abordagem assistencial que pretende resgatar práticas humanizadas de cuidado a enfermos com doenças incuráveis e progressivas, visando garantir qualidade de vida e dignidade do processo de morte ao paciente, familiares e à equipe (Figueiredo, 2008). O atendimento a pacientes adultos onco-hematológicos, principalmente nos casos de leucemias agudas, apresentam várias especificidades: início abrupto dos sintomas e necessidade de tratamento imediato; alto índice de mortalidade; risco de recidiva; replanejamento do tratamento face ao insucesso terapêutico; alto índice de intercorrências graves; coexistência de chance de cura e risco de morte durante o tratamento; necessidade de manter tratamento medicamentoso para manter a vida, mesmo em situações de paliatividade. Isto tende a gerar alto grau de sofrimento e desgaste tanto nos pacientes e familiares, quanto na equipe de atendimento. Nesse sentido, este trabalho objetiva ilustrar especificidades dos cuidados paliativos e propor reflexões sobre os desafios de sua adoção, para os diferentes personagens envolvidos no contexto de cuidado a pacientes onco-hematológicos de um Hospital Universitário. Constitui-se um trabalho exploratório-descritivo, de natureza qualitativa, visto ser um estudo de caso. Tem seu foco no atendimento psicológico do paciente e seus familiares, face o diagnóstico e tratamento de Leucemia Mieloide Aguda, e na participação nas reuniões multiprofissionais. Paciente de 42 anos, sexo masculino, casado, 3 filhos, caminhoneiro. Os atendimentos ocorreram num período de 1 ano e 6 meses, pela estagiária de Psicologia e a psicóloga do setor, no qual se acompanhou todo o processo de adoecimento: diagnóstico, tratamentos, recidivas, paliatividade e morte. Os atendimentos envolveram o paciente e os familiares que, eventualmente, o acompanharam nas internações e consultas ambulatoriais. Identificou-se aspectos psicológicos que perpassavam a dinâmica pessoal e familiar do paciente: postura de enfrentamento ativa; grande motivação para o tratamento; isolamento afetivo como mecanismo de defesa; estratégias de enfrentamento ancoradas na família; sofrimento frente às repetidas e prolongadas hospitalizações; padrão familiar disfuncional de comunicação; rede de apoio pouco presente. Com relação à equipe, percebia-se alto grau de investimento e expectativas quanto ao sucesso do tratamento e, posteriormente, face às recidivas intenso sofrimento e frustração ao insucesso terapêutico. Assim, as dificuldades pela definição pelos cuidados paliativos decorrem, por vezes, do vínculo prolongado estabelecido, do intenso investimento técnico e afetivo dos profissionais, da indefinição sobre a resposta terapêutica ao tentar novas intervenções e seu alto risco de precipitar a morte. Portanto, refletir sobre cuidados paliativos em onco-hematologia demanda problematizar as fronteiras entre a bioética e as práticas humanizadas de cuidado, bem como sobre o afeto investido nas relações construídas e o sofrimento inerente ao adoecimento e finitude da vida.
Figueiredo, M. G. M. T. A. (2008). Cuidados Paliativos. Em V. A. Carvalho, M. H. (Org) Temas em Psico-Oncologia (p. 382-388). São Paulo: Summus.
1. Cuidados em Saúde nos Ciclos da Vida - 1.8 Cuidados Paliativos
Samira de Mello, Luísa Susin dos Santos, Claudete Marcon, Joselma Tavares Frutuoso, Luiza Harger Barbosa