Dados do Trabalho

Título:

ALTA ESPECIALIZAÇAO E MODULARIDADE CARACTERIZAM AS REDES DE INTERAÇOES ANTAGONICAS ENTRE MORCEGOS CAVERNICOLAS E MOSCAS HEMATOFAGAS

Resumo:

Os morcegos são os mamíferos mais frequentes e abundantes em ambientes cavernícolas, os quais são abrigos naturais de grande importância para a conservação, biologia e ecologia deste grupo animal. Entretanto, as cavernas estão entre os ecossistemas mais desconhecidos e ameaçados mundialmente. Estimativas apontam que cerca de 310.000 cavernas ocorram no Brasil, mas menos de 10% delas já foram oficialmente registradas, evidenciando o quanto o conhecimento sobre esses ecossistemas subterrâneos – e consequentemente sobre as espécies que ali vivem – precisa avançar no país. Embora a quiropterofauna presente em cavernas seja razoavelmente conhecida no Brasil, suas relações ecológicas nesses ambientes, sobretudo as interespecíficas, são amplamente negligenciadas. Este é o caso para as interações antagônicas entre morcegos cavernícolas e artrópodes ectoparasitos. A fim de melhor entender essa relação parasito-hospedeiro, usando a abordagem de redes ecológicas investigamos a topologia das redes formadas por morcegos cavernícolas e moscas hematófagas da família Streblidae. Entre 2014 e 2021, conduzimos expedições de campo no nordeste do Brasil para amostrar populações de morcegos e suas respectivas moscas ectoparasitas, totalizando 11 cavernas amostradas distantes entre si de ~15 km a ~700 km. Usando uma matriz de associação ponderada calculamos o Número de Compartimentos (subconjuntos da rede), Modularidade (Q: mede como grupos de espécies são densamente conectados e apresentam apenas conexões mais esparsas com outros grupos; quanto mais próximos os valores forem de 1, mais modular é a rede), e Especialização Complementar (H2’: avalia a especialização de toda a rede; valores variam de 0, i.e., generalização perfeita, até 1, i.e., especialização perfeita). Estimamos a significância de Q e H2’ contrastando seus resultados com os valores esperados por redes randômicas, obtidas a partir de modelos nulos. Coletamos 4.534 moscas (24 espécies) parasitando 637 morcegos (14 espécies). A riqueza de moscas por caverna variou de duas a 19 espécies, e a de morcegos de três a 11 espécies. A rede de interações foi formada por 12 compartimentos, refletindo na alta modularidade (Q = 0,42). Esta modularidade foi 56 desvios-padrão mais elevada do que esperado para redes aleatórias. Além disso, a rede foi altamente especializada (H2’ = 0,95), também diferindo significativamente dos modelos nulos (P > 0,001). Em nível de espécie também houve alta especificidade pelo hospedeiro, com apenas 17% (4/24) das espécies de moscas parasitando mais de uma espécie de morcego e, neste caso, todas do gênero Pteronotus. A presença de modularidade em uma rede de interações antagônicas pode ser explicada como produto de processos de nicho, especialmente relacionados a trade-offs nas interações, i.e., um relativo equilíbrio alcançado. A alta especificidade observada nesta relação torna as moscas altamente vulneráveis a alterações de habitat e mudanças subsequentes nas comunidades hospedeiras. A formação de colônias mistas de hospedeiros ou de hospedeiros que se agregam proximamente dentro do ambiente cavernícola, como no caso de espécies de Pteronotus, parece ser um fator importante na evolução e formação das associações morcego-mosca e merece ser investigada em detalhes.

Financiamento:

CAPES, CNPq, FACEPE

Área

Ecologia