11º Congresso Brasileiro de Mastozoologia e 11º Encontro Brasileiro para o Estudo de Quirópteros

Dados do Trabalho


Título:

“SILÊNCIO DOS INOCENTES”: CONHECIMENTO DOS MORADORES DA ILHA GRANDE (RJ) SOBRE A EPIZOOTIA DE FEBRE AMARELA E OS PRIMATAS NÃO-HUMANOS

Resumo:

A reemergência da febre amarela em 2016/2017 e sua expansão para o Sudeste do Brasil culminou na morte de centenas de primatas na região, seja por efeito direto da doença ou indireto, como a violência contra primatas. A Ilha Grande é um remanescente de Mata Atlântica isolado no estado do Rio de Janeiro e pertence a região com maior registro de casos (humanos e não-humanos) de febre amarela no estado. A Ilha apresenta população humana de aproximadamente 7000 pessoas e ocorrência de quatro táxons de primatas não-humanos: Alouatta guariba clamitans (bugio), Sapajus nigritus nigritus (macaco-prego), Callithrix jacchus e Callithrix penicillata (saguis). Neste estudo, a partir de uma abordagem etnoprimatológica, nós investigamos pela primeira vez as percepções e atitudes dos moradores locais em relação aos primatas não-humanos da Ilha Grande-RJ, buscando compreender os impactos do recente surto de febre amarela. Entre dezembro/2019 e março/2021 foram selecionados 103 moradores de 14 comunidades da Ilha Grande através do método de seleção de informantes por grupo de referência. Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais semiestruturadas e para explorar as perguntas qualitativas utilizou-se a análise de Conteúdo. O estudo revela que a maioria dos moradores (82%) não percebe os primatas como culpados pela transmissão da febre amarela e sugerem que casos de agressão/morte de primatas por ação humana na área de estudo não foram comuns, 71% afirmando que não aconteceram e 23% ouviram relatos especialmente no extremo sul da Ilha. Em todas as comunidades a redução da população de bugios foi observada (74%), o mesmo impacto não foi encontrado para saguis e macaco-prego. Este fato pode ser explicado, pois os bugios são mais suscetíveis a febre amarela apresentando altas taxas de mortalidade, além de possuírem uma vocalização característica reconhecida a quilômetros de distância. Após a febre amarela, os moradores relatam o silêncio das florestas e revelam que o encontro com indivíduos mortos ao longo das trilhas durante a epizootia foi comum (45%). Sendo assim, a febre amarela foi a principal ameaça aos primatas indicada pelos moradores (85%), seguido da caça ou retirada da natureza (14%). Outras ameaças também foram citadas (perda e modificação do hábitat, eletrocussão, agressão humana e abandono de animais domésticos). É importante considerar que as ameaças podem ter efeitos sinérgicos, especialmente para populações isoladas. Finalmente, apresentamos que caso encontrassem um primata morto, 73,6% dos entrevistados notificariam aos órgãos competentes. Essa informação foi relevante, considerando que a notificação da febre amarela é compulsória e pode ter sido reflexo de campanhas educativas promovidas pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Percebe-se que a população local está disposta a contribuir na conservação dos primatas e esforços devem ser direcionadas a Alouatta guariba clamitans devido à I) drástica redução populacional; II) ameaça à extinção; III) importância ecológica; IV) significância cultural e carisma (conhecidos como “Voz da Ilha”). O estudo apresenta informações inéditas sobre a relação primata-humano na Ilha Grande, construindo um caminho para o planejamento de ações de conservação, pesquisa, educação ambiental e ciência cidadã.

Financiamento:

MB recebeu apoio financeiro do Funbio e Instituto Humanize através do Bolsas Funbio – Conservando o Futuro (Chamada 02/2019) e Bolsa de Mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. HGB recebeu bolsa de produtividade do CNPq, e bolsa Cientista do Nosso Estado da FAPERJ. LG recebeu apoio UERJ Prociência, Capes (PPGEE e PPGMA) e FAPERJ.

Área

Etnozoologia

Autores

Marianne da Silva Bello, Helena de Godoy Bergallo, Lena Geise